domingo, 1 de maio de 2016

Quando o Céu virou um teto...



Imagine um dia em que, ao acordarmos e abrirmos as janelas, olhamos para fora e... surpresa! O céu achatou. Achatou tanto que está da altura de nosso teto.

Você pode até mesmo, se conseguir esticar-se bem, tocar as estrelas. Outra surpresa: elas não são reais, são apenas um reflexo da luz da terra. Não conseguimos mais vislumbrar o Sol, mas  apenas seus raios luminosos que trazem o dia. Também não é mais possível vislumbrar o horizonte ao poente, pois, afinal, a única coisa que conseguimos ver é o céu-teto que está sobre nossa cabeça e uns metros adiante, apenas.



Muitos afirmam que a mudança não é tão ruim assim. Na verdade, sob outro ponto de vista, é excelente, pois agora ninguém se sentirá superior a ninguém, por conseguir enxergar além. Os mais altos serão obrigados a andar curvados e adotar a mesma perspectiva dos baixos, Ninguém se atreverá a dizer que enxerga o que o outro não pode ver. Ah, a equanimidade, enfim!

Não há mais montanhas nem grandes picos. São interrompidos pelo teto-céu. Não há mais como guiar-se pela posição das estrelas no mar aberto, e os barcos se perdem entre dois infinitos estreitos. 
Muitos seres humanos, atarefados com seus afazeres, mal notaram a mudança. Olhar para o céu é um perda de tempo, dizem eles: “-Estamos ocupados, temos muito o que fazer...”

O maior mal que trouxe o teto-céu, entretanto, foi a morte da inspiração e dos sonhos. Já não há mistério. A imensidão celeste, a um só tempo escura e luminosa, foi desvendada. O infinito foi desmistificado e não há mais como elevar-se sem bater a cabeça no teto-céu. O universo que se mascarava por trás do céu é apenas uma ilusão, as estrelas, não passam de reflexos da luz terrena, a lua é uma formação desbotada desse teto-céu. Tudo explicado, tudo comprovado empiricamente, não há mais o que investigar; chegamos, enfim, à verdade. E o fenômeno do teto-céu? Obviamente, fruto do acaso.

Com o tempo, a lembrança de um céu sem limites se torna uma lenda. Boa parte das pessoas apenas retomam seus afazeres e se esquecem. As futuras gerações, conformadas com o teto-céu, sequer ousam pensar sobre outra possibilidade: “-Que pensarão de mim se me observarem defendendo tais superstições?” Assim, multiplicam-se os estudos sobre a composição dos materiais que formam o teto-céu, sua aparência, suas cores... Mas nada sobre sua real natureza. Quase ninguém ousa questionar o que há além do teto-céu.

Diz-se “quase”, porque, onde há a regra, também há a exceção. Existiram, existem e sempre existirão pessoas que ousam desafiar os dogmas. Que não aceitam o mundo como ele é, mas como ele deveria ser. Que acreditam em sonhos, no mistério, em uma lei inteligente e universal que não permite que nada ocorra por acaso. Tais pessoas ousam afirmar, na era do teto-céu, que, um dia, o homem pôde voar em uma imensidão sem limites, que admirou um horizonte que nunca pôde tocar, que chegou a pisar na lua, um planeta distinto, que segue leis físicas diferentes da Terra.

Essas pessoas são consideradas loucas, são criticadas e difamadas por aqueles que nasceram e cresceram embaixo do teto-céu, e tergiversam sobre coisas que desconhecem com toda a propriedade.  Entretanto, os sonhadores não se detêm, pois pior do que viver sob a crítica é viver sem sonhos, sem horizontes, sem inspiração. Sacrificam suas vidas por aquilo que acreditam.

Graças a essas pessoas, o teto-céu vai rachando e, dentre suas rachaduras, aqueles que desejam e buscam, conseguem vislumbrar o céu infinito. Pois o teto-céu foi criado pelos próprios seres humanos, por seus dogmas e sua visão limitada de mundo, pela falta de sonhos. E, enquanto houver uma pessoa que, conformada com o teto-céu, abra mão dos seus sonhos e aspirações humanas, esse teto não ruirá.


Voltemos ao ponto de partida: tudo não passou de um sonho ruim. Agora, acordamos de verdade, abrimos a janela e vemos o céu, amplo, infinito e luminoso. Neste exato momento, respire fundo e expurgue o pesadelo:  prometa desconstruir o teto-céu que há dentro de si mesmo!

Isabella Arruda
Professora de filosofia da Nova Acrópole


Nenhum comentário:

Postar um comentário