Imagine um dia em que, ao acordarmos e abrirmos as janelas, olhamos para fora e... surpresa! O céu achatou. Achatou tanto que está da altura de nosso teto.
Você
pode até mesmo, se conseguir esticar-se bem, tocar as estrelas. Outra surpresa:
elas não são reais, são apenas um reflexo da luz da terra. Não conseguimos mais
vislumbrar o Sol, mas apenas seus raios
luminosos que trazem o dia. Também não é mais possível vislumbrar o horizonte
ao poente, pois, afinal, a única coisa que conseguimos ver é o céu-teto que está
sobre nossa cabeça e uns metros adiante, apenas.
Muitos
afirmam que a mudança não é tão ruim assim. Na verdade, sob outro ponto de
vista, é excelente, pois agora ninguém se sentirá superior a ninguém, por
conseguir enxergar além. Os mais altos serão obrigados a andar curvados e
adotar a mesma perspectiva dos baixos, Ninguém se atreverá a dizer que enxerga
o que o outro não pode ver. Ah, a equanimidade, enfim!
Não
há mais montanhas nem grandes picos. São interrompidos pelo teto-céu. Não há
mais como guiar-se pela posição das estrelas no mar aberto, e os barcos se
perdem entre dois infinitos estreitos.
Muitos seres humanos, atarefados com
seus afazeres, mal notaram a mudança. Olhar para o céu é um perda de tempo, dizem
eles: “-Estamos ocupados, temos muito o que fazer...”
O
maior mal que trouxe o teto-céu, entretanto, foi a morte da inspiração e dos
sonhos. Já não há mistério. A imensidão celeste, a um só tempo escura e luminosa,
foi desvendada. O infinito foi desmistificado e não há mais como elevar-se sem
bater a cabeça no teto-céu. O universo que se mascarava por trás do céu é
apenas uma ilusão, as estrelas, não passam de reflexos da luz terrena, a lua é
uma formação desbotada desse teto-céu. Tudo explicado, tudo comprovado
empiricamente, não há mais o que investigar; chegamos, enfim, à verdade. E o
fenômeno do teto-céu? Obviamente, fruto do acaso.
Com
o tempo, a lembrança de um céu sem limites se torna uma lenda. Boa parte das
pessoas apenas retomam seus afazeres e se esquecem. As futuras gerações,
conformadas com o teto-céu, sequer ousam pensar sobre outra possibilidade: “-Que
pensarão de mim se me observarem defendendo tais superstições?” Assim, multiplicam-se
os estudos sobre a composição dos materiais que formam o teto-céu, sua
aparência, suas cores... Mas nada sobre sua real natureza. Quase ninguém ousa questionar
o que há além do teto-céu.
Diz-se
“quase”, porque, onde há a regra, também há a exceção. Existiram, existem e
sempre existirão pessoas que ousam desafiar os dogmas. Que não aceitam o mundo
como ele é, mas como ele deveria ser. Que acreditam em sonhos, no mistério, em
uma lei inteligente e universal que não permite que nada ocorra por acaso. Tais
pessoas ousam afirmar, na era do teto-céu, que, um dia, o homem pôde voar em
uma imensidão sem limites, que admirou um horizonte que nunca pôde tocar, que chegou
a pisar na lua, um planeta distinto, que segue leis físicas diferentes da
Terra.
Essas
pessoas são consideradas loucas, são criticadas e difamadas por aqueles que
nasceram e cresceram embaixo do teto-céu, e tergiversam sobre coisas que
desconhecem com toda a propriedade.
Entretanto, os sonhadores não se detêm, pois pior do que viver sob a
crítica é viver sem sonhos, sem horizontes, sem inspiração. Sacrificam suas
vidas por aquilo que acreditam.
Graças
a essas pessoas, o teto-céu vai rachando e, dentre suas rachaduras, aqueles que
desejam e buscam, conseguem vislumbrar o céu infinito. Pois o teto-céu foi
criado pelos próprios seres humanos, por seus dogmas e sua visão limitada de
mundo, pela falta de sonhos. E, enquanto houver uma pessoa que, conformada com
o teto-céu, abra mão dos seus sonhos e aspirações humanas, esse teto não ruirá.
Voltemos
ao ponto de partida: tudo não passou de um sonho ruim. Agora, acordamos de verdade,
abrimos a janela e vemos o céu, amplo, infinito e luminoso. Neste exato momento,
respire fundo e expurgue o pesadelo: prometa desconstruir o teto-céu que há dentro
de si mesmo!
Isabella Arruda
Professora de filosofia da Nova Acrópole
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